sábado, 5 de março de 2011

Até um dia...

Recordo a madrugada fria de Novembro em que recebemos a notícia que ele tinha partido. Partiu sem se despedir e deixou-te desamparada, sozinha naquela gélida casa... Lembro-me de te acolhermos, lembro-me de te dar a minha cama e dormir noites a fio, mesmo que desconfortável, no estreito sofá que tinha de partilhar com a minha irmã como se da nossa cama se tratasse. Lembro-me das noites em que dormi ao teu lado, no chão duro do quarto, como se me protegesses das tempestades, dos medos, do escuro que nos assombrava durante a noite... 
Lembro-me das traquinices características das crianças que te fazia... Lembro-me de correr com um sorriso nos lábios só para fazer troça de ti... Não podias acompanhar-me pois o cansaço já não to permitia... As tuas rugas transmitiam o cansaço; os teus olhos a dor que te ia no coração, mas ao mesmo tempo a felicidade de nos teres contigo; os teus cabelos brancos, quase sempre escondidos pelo lenço negro que fazias questão de usar, transmitiam-me a tua sabedoria... Recordo todos os dias em que regressava a casa e te tinha à minha espera, mesmo que mal te falasse... Recordo todas as discussões que tivemos, todas as vezes em que te falei mal, recordo tudo aquilo que proferi de maneira rude... Arrependo-me, pois eu gostava de ti e nunca to disse. Nunca te disse "obrigada", nunca te dei um abraço, nunca te disse "amo-te avó", nunca fui capaz de sorrir e dizer o quão importante eras para mim... Lembro-me de ter querido ensinar-te a ler e a escrever, lembro-me de me teres ensinado a jogar cartas (mesmo que depois eu fizesse batota para ganhar), lembro-me das inúmeras vezes que me entrançaste o cabelo... 
Lembro-me agora do dia em que te vi na cama pois sentias-te fraca. Lembro-me de saber que tinhas ido ao hospital e ter ficado com muito medo de te perder. Lembro-me de te dar a medicação e não conseguir ver as melhoras. Lembro-me de te encontrar caída no chão quando já era Deus a chamar-te para Ele. Lembro-me de te ouvir gritar pois a dor era insuportável. Lembro-me de chegar a casa e já não estares ali, tinhas ido e não sabia quando irias regressar. Lembro-me daquela quarta-feira  em que me disseram que estavas mal... Não podia esperar mais e fui a correr ter contigo. Subi aquele hospital com um enorme medo do que iria encontrar. Não conseguia imaginar-te deitada naquelas camas sem cor, naqueles quartos com um calor artificial que não te deixariam respirar o ar puro da nossa casa. Entrei a medo e vi-te. Os teus olhos brilharam quando nos viste entrar, afinal de contas éramos as tuas meninas. Aproximámo-nos e falamos-te. Renasceste naquele momento e parecias a pessoa mais saudável do mundo. Naquele momento julguei que no dia seguinte iria trazer-te comigo para casa, para te poder ver sorrir novamente...Já era tarde e tínhamos de regressar para casa, custava-me deixar-te ali no meio do desconhecido, mas tinha de ser e sabia que estavas bem entregue. Prometi-te que voltava no dia seguinte e disse-te "até amanhã". Lembro-me de quando estava a sair me chamaste e pediste um beijo. Apreensiva satisfiz o teu desejo. Lembro-me de sorrires e de sair do quarto. Deixei-te naquele dia com a esperança de te voltar a ter. Deus atraiçoou-me. Levou-te para junto dele. Eu sei, eu sei que estiveste à minha espera para poderes partir. Aquele beijo que nunca outrora havias pedido, foi um adeus, um adeus dito da melhor forma. O telefone tocou. A mãe foi atendê-lo. Tinhas ido. Partiste... Foste para o Céu... Os anjos estavam a preparar tudo para te acolherem no seu mundo... Deus levou-te de mim e deu-me uma estrelinha. És tu... És tu a estrela mais brilhante que todas as noites, mesmo com o céu encoberto, me deseja boa noite. És tu que me guias e não me deixas perder a força de viver...
Tenho saudades tuas, tenho pena que não estejas comigo neste momento. Oh avó, eu estou tão feliz. Nós estamos todos muito felizes e sentimos muito a tua falta. Oh avó, meu anjo da guarda, porque partiste tão cedo? Eu sei que estavas cansada deste mundo, que já tinhas vivido muito, mas eu ainda precisava de ti, ainda tinhas tanto para ver. Avó, eu prometo que um dia serei doutora. Irei casar com um bom rapaz e ter filhos lindos como o nosso menino. Ele está grande e é um bom menino. Avó, eu prometo que tu estejas onde estiveres, te vais orgulhar muito de nós, tal como te orgulhavas quando partilhavas a vida connosco.
Avó, um dia irei ter contigo e dir-te-ei o quanto te amo.
Peço-te que continues a proteger-me, a guiar-me e a iluminar-me nos momentos menos bons. 
Obrigada, meu anjo da guarda.

Até um dia,

a tua menina.

1 comentário:

  1. Tens noçao que fiquei toda arrepiada a ler isto? E tu sabes porquê não sabes?

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